quinta-feira, 6 de maio de 2010

Institucionalização



Uma palavra bonita, não?


Tenho visto em algumas listas esta palavra correndo solta a boca grande entre os Umbandistas. Fui logicamente atrás do significado e passei a fazer o tico e o teco se encontrarem para um café para se algo iria brotar como conclusão.

Lendo um artigo, me chamou a atenção um que cita:

"Quanto maior for a rigidez dogmática, maior será a possibilidade de divergências
no interior da religião instituída, ou igreja. Quando falamos em religião
instituída como aquela que atingiu o máximo em sua construção dogmática,
temos de considerar que esta religião formou poderosa elite intelectual capaz
não somente de sustentar seus símbolos, mas também de oferecer alternativas
quando estes símbolos são contestados.


Quando a contestação se dá no campo intelectual, os contestários são geralmente
tolerados; no máximo são olhados com desconfiança pela ortodoxia e,vez por outra, sofrem pequenas advertências ou disciplinas. Neste caso, as querelas ainda laboram no campo do sagrado dominado. Os problemas surgem com maior gravidade quando pessoas ou grupos insatisfeitos com a rotina eclesiástica,
ou acicatados por situações de efervescência social, decidem liberar o sagrado em favor de uma religião mais emocional que possa amenizar os impactos situacionais do cotidiano. As mudanças institucionais, regra geral, têm início, não por contestação intelectual, mas pela liberação ao menos parcial do sagrado através de
formas emocionais de experiência religiosa."


fonte: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/ENSINORELIGIOSO/artigos3/experiencia_religiosa.pdf

Com base neste exposto e fazendo um retrospecto do que denominasse "Umbanda", vemos que desde a sua formação "ocidentalizada", usando como um parâmetro comum, um exemplo, a "Umbanda do Caboclo das Sete Encruzilhadas" , como consta em alfarrábios da época (embora haja contestações), Zélio foi um "revolucionário", um jovem que insatisfeito com a linhagem doutrinária kardecista, fez com que a "macumba" descesse o morro, e o kardecismo "encardiu", "pretejou".

Uma ruptura de valores exatamente como cita o texto, o uso de um forte emocional para o surgimento de uma nova forma de culto, digamos uma reciclagem do que já rolava e adaptado as condições em que a época necessitava. Lembremos que estamos falando de um período rico em transformações sócio-culturais, políticas e religiosas.

É inegável que mesmo antes deste advento as macumbas, os embandas, as cabulas, os Omolokos "comiam" soltos no sudeste, em especial na região do Rio de Janeiro até a costa do Espírito Santo, como cita João do Rio e embora eu pessoalmente não considere o Zélio como “Pai” da Umbanda, reconheço que foi um marco, se visto pelo prisma de “mito de formação”.Aliás, como cita José Henrique Motta de Oliveira em seu livro “Das Macumbas à Umbanda”, a construção de um mito, mesmo que tardiamente, não o desqualifica.Assim fez a Igreja Católica por exemplo com a data de Natal.

O ponto onde quero chegar depois deste imbróglio ( com g ou sem g?) é que mesmo com uma institucionalização da Umbanda hoje em dia, a partir do momento que ela seja “codificada” e “dogmatizada” por pessoas forte poder de persuasão e digo, até político, em dado momento uma ruptura poderia acontecer, caso houvesse uma centralização, um “Papado” de Umbanda. Não precisamos ir muito longe para observar isto.Basta observar terreiros em que a constância sem reciclagem dos dogmas causa a saída dos neófitos.

Quando falo em reciclagem, é o estudo,e a compreensão do mundo do próprio terreiro, e visões em relação aos outros segmentos dentro da própria Umbanda. Saber o que é Umbanda e suas formas ajuda  em muito o praticante como médium, "cavalo", quando se depara com uma situação em que o consulente veio de outra casa com resultados e questões que ele acha negativas (não acertou na mega sena) e passa a falar mal da antiga casa. Se o dito médium atendente não tem contexto, ele poderá inserir na primeira fala da entidade a sua opinião. Quanto mais o HD do médium tem dados, mais fácil fica para a entidade interagir com o meio humano.Isto não significa que o médium tenha que ser um PHd, mas no mínimo saber o que é a religião que pratica e as nuances que existem mundo afora.
A Própria igreja católica adotou esta prática da reciclagem de valores, mesmo às vezes sendo para pior, como no caso atualmente das declarações do Papa. Podemos até analisar as próprias igrejas evangélicas, que passaram também a adotar uma reciclagem de dogmas e ritos, haja visto que o show não pode parar.Chegou um momento em que “Só Jesus não salvava mais”.Era preciso a inserção de novos meios para alavancar novamente a fé, até com a cópia de ritos tipicamente Umbandistas, como descarrego e banhos de ervas e sal.

A umbanda fica realmente como diz Lisias Negrão,”entre a cruz e a encruzilhada”, pois ela precisa estar em movimento, se readaptando, porém acaba incorrendo no erro, ao meu modo de ver, do “tudo pode”, “tudo é permitido”.Na ânsia de uma renovação, de manter os fiéis encantados, os terreiros acabam aglutinando valores até então, antagônicos as suas doutrinas, no caso o aspecto Afro x Cristão, um choque de éticas. E do dia para a noite, em um terreiro que rezava Pai nosso em suas aberturas, passa a cantar Orikis quando baixam os “Orixás”.Deixam de ser “guias”. Mudam de categoria em apenas uma semana.

A Umbanda tem um grande atrativo, um grande poder que é o “Sagrado falando”, e ai reside um dos problemas, comparado ao final da citação da tese-artigo que pincei:

“As mudanças institucionais, regra geral, têm início, não por contestação
intelectual, mas pela liberação ao menos parcial do sagrado através de
formas emocionais de experiência religiosa."

Se a entidade “falar”, se o “caboclo” mandar quem irá contestar? São através destas experiências emocionais que acabam acontecendo as rupturas, e digamos porque não, algumas até providenciais quando em vez de dogmatismo, disciplina temos a ditadura. Neste caso acredito que realmente quando haja submissão a fórceps, escravidão, a Entidade “fala”, e com propriedades e letra maiúscula.

Acredito na constante interação do terreiro com a sociedade, tratando de assuntos como sexualidade, política, cidadania, sem que os valores de base do terreiro sejam extirpados. Tradição não pode ser confundida com alienação.

Institucionalizar a Umbanda talvez não seja o nome correto, pois ela passaria a ser de direitos e usos, propriedade de alguns ou de alguém, com já foi tentado em largo período. Aliás, basta lermos listas, fóruns e blogs o quanto temos de “Umbandas verdadeiras” e acusações de “Umbandas falsas” sendo descritas na internet.

Uma tática sórdida é desqualificar a religião alheia para esconder a incapacidade de definir a que pratica. Dou 250 motivos para que a Umbanda do vizinho não seja seguida, mas não consigo dar mais do que 10 de forma justificável para que a minha seja seguida. Novamente entra o apelo emocional, e não quando a promessa da salvação, do ganho rápido.

Do modo que a Umbanda está indo talvez não precisemos de a centralizar mas a divulgar.Quem sabe a expansão seja a melhor forma de institucionalizar, sendo de todos e não de poucos.

Que Olorum nos guie!

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