quinta-feira, 10 de junho de 2010

A cura

Fazendo algumas recapitulações motivadas por tópico em fórum de debates de RBU (Rede Brasileira de Umbanda), lembrei de um texto muito bom a respeito da "cura" na Umbanda.
Lá vai ele!!!!

"Sou médico neurologista, formado em medicina pela Univ. Estadual de Londrina em 1990 e com residência em neurologia clínica no Hosp. Das Clínicas da USP concluída em 1994, o que me conferiu o título de especialista em neurologia. Trabalho há sete anos na Beneficência Portuguesa de São Paulo onde sou responsável por uma pequena mas conceituada equipe de neurologia. Também atuo em outros grandes hospitais da capital paulista. Além disso, dedico todo o tempo que tenho disponível à Umbanda, à Faculdade de Teologia Umbandista e ao aprendizado espiritual contínuo.

Por conviver com a dificuldade de se realizar cuidados profissionais aos seres humanos, preocupo-me com uma certa tendência em banalizar o atendimento à saúde, particularmente com algumas modalidades terapûeticas ditas alternativas.

Se existe um problema que nós espiritualistas em geral apontamos na ciência em geral e na medicina em particular é o tratamento materialista reducionista do método científico. Quer dizer, tudo se reduz ao corpo físico, sendo outras dimensões(como a espiritual e a psicológica) negligenciadas. Mas o inverso também é igualmente perigoso, isto é, dar um tratamento reducionista também, só que espiritual. Tudo é espiritual e com velas e magias de cristais tudo se resolve.

E as questões orgânicas? E os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos não interferem na vida das pessoas? Se cercar uma pessoa com elementos mágicos resolver todos os problemas, basta fazer para todo mundo e os problemas ambientais, energéticos, bélicos etc do planeta estarão solucionados.

Primum non nocere, primeiro não causar dano, é um princípio médico em que procuramos não fazer mais mal que a doença. A ciência procura desenvolver tratamento com poucos efeitos colaterais, menos invasivos e mais toleráveis. Mas não é só prescrevendo um tratamento inadequado que se pode causar dano. Causa-se dano também quando deixamos de fazer um diagnóstico precoce ou acreditamos que um sintoma seja de ordem psíquica ou espiritual quando é, na verdade, uma doença física. Como médico, tenho que saber o melhor tratamento, saber o que eu sei, mas tenho ainda uma preocupação maior que é não saber. Estar diante de um paciente com uma doença e não detectá-la no tempo adequado.

Certa vez, atendi uma senhora com neuralgia do trigêmeo no pronto-socorro da Beneficência Portuguesa. O quadro era típico e o tratamento habitual seria medicação e acompanhamento ambulatorial. Mas resolvi fazer o exame neurológico completo e notei que além da dor, tinha uma diminuição do reflexo córneo-palpebral do lado da dor. Questionei o diagnóstico e aprofundei a investigação. Detectei um linfoma no sistema nervoso central que passou a ser tratado precocemente. Não havia nenhum outro sintoma. Há quinze dias, depois de quase seis anos de tratamento, a paciente faleceu mas antes agradeceu muito por ter sido feito o diagnóstico precocemente e lhe permitido alguns anos a mais de vida. Quem trata da vida de pessoas não pode alegar desconhecimento de causa.

Portanto, sou favorável a ações do governo ou de entidades de classe como o CRM e CFM no sentido de normatizar e regulamentar o exercício de "ofícios" relacionados à chamada terapia holística. Não se pode dar um instrumento de lucro financeiro para uma pessoa por um serviço que ela preste e sobre o qual não tenha, posteriormente, nenhuma responsabilidade. É simples: a quem devemos nos queixar se os florais de Bach prescritos por um terapeuta não funcionarem??? Que responsabilidade é assumida nesse tratamento?

O ideal seria que todas essas terapias passassem por uma avaliação científica de sua eficácia, mas sabemos que isso não é possível. Deveria então ser reservado o direito de atuar como terapeuta holístico somente àquelas artes de cura que já tenham, senão a comprovação científica, ao menos comprovação histórica dos saberes tradicionais. Esse é o caso, por exemplo, da medicina chinesa, acupuntura, do-in, moxabustão, fitoterapia chinesa, medicina ayurvédica. São práticas milenares cujos efeitos e limitações são bastante conhecidos e quem se submete a tais tratamentos sabe o que esperar. Mas o que dizer de outras, como as referidas na mensagem abaixo?

Especialmente, em nome da Umbanda não podemos adotar "práticas terapêuticas" recém-inventadas, que não passaram pelo crivo da ciência, da tradição, do tempo ou da razão. Menos ainda, adotar tais práticas na expectativa de um sustento financeiro com caráter ético duvidoso. Pessoalmente, estimulo aqueles que querem viver para a Umbanda e não da Umbanda.

A medicina terrena tem muito o que aprender, mas ainda é o meio mais seguro de tratar distúrbios orgânicos. O potencial dano causado pela falta de um diagnóstico médico na hora certa, em minha opinião, suplanta os eventuais benefícios da maior parte das chamadas terapias alternativas.

Pela minha experiência, acho que a Umbanda não tem como finalidade precípua a cura do corpo, ainda que as entidades prescrevam algumas fitoterapias populares, boa parte delas já comprovadas pela ciência. Também não pretende resolver com algumas velas os problemas sociais criados por uma humanidade materialista e individualista, tais como desemprego, baixos salários, exclusão social. Isso seria manutenção da miséria. Por outro lado, terapias espirituais, como orientar uma defumação ou o uso de uma essência odorífica nunca foram cobradas pelas entidades.

A prática da Umbanda não fere o princípio do Primum non nocere. Ao contrário, se antecipa na ajuda (primum succerrere) para mudar a estrutura mais íntima do ser, transformando valores, nas mentes e nos corações. E, por falar em latim, poderia dizer que o ideal da Umbanda é o mesmo das grandes tradições antigas: Cura te ipsum.(Cura-te a ti mesmo). Essa é a autocura espiritual, algo mais profundo que qualquer medicina, como diz o Mestre Arhapiagha, que além de sacerdote é médico. No ser espiritual está a causa de todas as doenças e nele também está a cura, ou seja, a cura deve ser direcionada à essência e não à forma.

Esse é o caminho da evolução espiritual, social, cultural, política e econômica. Buscar a cura de si mesmo, segundo nossa crença, é agir nas causas profundas, nas raízes das mazelas humanas e abrir espaço para que o Espírito perfeito ilumine nossa vida com saúde, paz, equilíbrio e harmonia em nós mesmos e entre todos os seres.

Precisamos ficar atentos para as soluções fáceis, elas são enganosas. Não podemos fazer da Umbanda ou da cura espiritual um comércio. Se bem que, na verdade, quem ganha o dinheiro mesmo são aqueles que vendem cursos prometendo meios para ganhar dinheiro.

O trabalho honesto é a terapia da alma.


Roger T. Soares - médico e umbandista "

Nenhum comentário:

Postar um comentário